Dia do Estudante - 24 de Março




 Daniel


Dormir na mesma casa,

tu no teu pequeno quarto,

eu no meu, que também é pequeno,

mas um pouco maior do que o teu,

é um privilégio.

Saber que estás do outro lado do tabique proporciona-me paz.

Mas hoje ficaste a dormir,

e chegas tarde ao liceu.

 

Não sabes a pena que me dá

perderes uma hora de aula.

 

As leis dos homens – eu conheço-as – são inflexíveis,

e tens de aprender a conviver com elas,

tal como eu fiz.

Fiquei a pensar no teu futuro.

Daria a minha vida para te proteger amanhã,

para que nunca te alcance nenhuma desventura,

nenhuma dor, nenhum veneno dos homens.

Abro a janela do teu quarto e olho para as tuas coisas

e comovo-me.

 

Adoro todas as tuas coisas.

Adoro a tua letra, pequena, doce, humilde,

a letra de uma alma bondosa.

 

Adoro a tua roupa pendurada no meu armário,

o teu blusão castanho,

que me enfeitiça.

 

A fragilidade que o teu corpo exprime faz-me tremer

e alegra-me ao mesmo tempo.

 

Passas o dia inteiro com os auscultadores,

quando falo contigo não me ouves.

 

Vives para o telemóvel,

e pouco para mim,

que vivo para ti.

Gosto de te preparar sandes deliciosas.

Penso que terás fome a meio da manhã.

 

Adivinho a tua vulnerabilidade e sofro.

 

Transformar-me-ei em cinzas em ti

e a tua vida nova verá

a queda de todas as coisas                                            

que me feriram.                                           

                                                         Manuel Vilas, Em tudo havia beleza.